Agora é madrugada, minha visão está turva e não consigo sequer ver que horas são. Acredito que seja por conta da caipirinha de maracujá que fiz há pouco tempo e que já está pela metade no copo. Ao fundo, Gal canta, obviamente algo que sinto. A música em questão é 'Coração Vagabundo', onde ela narra a sina de ter vontade de ter tudo e todos, uma sina que compartilho. Afinal, amar desesperadamente tudo e todos os amores que se tem é um desafio. Não, caros leitores, apesar de parecer, eu não sou um cafajeste; pelo contrário, sou um amante amado, como Jorge Ben Jor descreve na música.
Eu amo tudo que há em você: sua voz, seus olhos, sua pele, sua boca, seu cabelo amassado. Eu só sei amar assim, nada além do todo.
Desde que meu coração conheceu o mundo, ele não pensa em outra coisa a não ser amar e ser amado. Os conceitos desse sentimento são tantos e estão sempre em constante mudança que facilmente nos perdemos. Quantas vezes amei e não fui compreendido, assim como fui amando e não entendi. Agora me pergunto se realmente sentir isso por alguém ou se foram apenas delírios. Na mais crua realidade, talvez eu apenas saiba me amar, mas como a própria Gal também já disse: amar sozinho também é amor.
O que sei é que sempre senti. Lembro-me da última vez que senti algo. Meu corpo inteiro se arrepia e um sorriso malicioso evidentemente se faz presente em meu rosto enquanto escrevo.
A vida é tão dura, às vezes chega a ser cruel. Acredito que seja por isso que precisamos, de vez em quando, amar alguém ou algo. Falo de modo geral; o amor romântico é apenas uma forma, esse sentimento é como o universo, então imagine quantas possibilidades podem existir de se amar. Quero devorá-las.
Dessa forma, sou completamente apaixonado pela ideia de amar sem muitas dificuldades. Afinal, o amor não é algo simples; ele é leve como plumas, suave como seda e engraçado como um palhaço, apesar deve ser por isso que assusta alguns. Todavia, experimentar a vida ao meu modo nem sempre é fácil; a minha dificuldade em parar tem um gosto amargo para aqueles que querem ficar.
Não descarto a ideia de realizar votos para uma vida inteira e ter filhos, mas isso se contrapõe ao fato de que o 'felizes para sempre' sempre acaba. Sabemos que as bodas de ouro existem, isso é inegável, mas elas existem para mim? A resposta é não, infelizmente, gosto de ir embora.
‘‘Quanta hipocrisia, Lírio!", uma voz ecoa em minha cabeça.
Quase que de forma inconsciente, ou nem tão inconsciente assim, acabo de me dar conta de que sempre fugi do amor, vivi-o em suas pequenas frações e são a elas que me apego. Isso faz com que não tenha degustado desse sentimento por completo; deve ser pelo fato de ele parecer uma ameaça à minha amada solitude. Sou distante. Mesmo estando presente, estou longe, e assim gosto de viver.
O amor, com toda sua grandeza, pode me limitar?
A verdade é que tenho medo, tenho um profundo medo. Não, meu coração não é tão vagabundo assim; talvez ele seja apenas medroso. Por enquanto sigo sozinho com minhas contradições amorosas e amando algumas pessoas, até porque:
Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer.
Gal Costa, 1971.
A lua está cheia e brilha intensamente no céu. Ao meu lado, um simpático senhor me olha com uma feição séria, e quase imediatamente sorrio para ele. É um sorriso de agradecimento por sua ajuda na escrita desse texto. Muito obrigado, Velho Barreiro